quinta-feira, 31 de julho de 2008

"No começo da tour eu tive uma crise"


Guitarrista Luiza Sá do CSS falou em entrevista
ao site Trama Virtual sobre delícias e problemas de viver em constante estado de hype, confira:


Como é essa coisa de viver em turnê, que é algo que poucos artistas brasileiros experimentaram?
Hummm... É assim... A gente tem muito show bom, não somos uma banda que teve investimento de gravadora pra fazer uma tour, ou impulso do governo, como rola com as bandas da Suécia. A gente realmente toca porque existe uma demanda, e nesse sentido é um trabalho que dá muita satisfação, porque tem gente que realmente vai lá ver e essa energia é incrível.

Fazer tour é quase sempre bem cansativo, você tem que viver dentro de uma "mala", não tem um espaço seu, é sempre dividido, sempre com muito barulho. Não tem seu banheiro, não tem seu quarto. Você abre mão de algumas coisas e fica viajando de avião, porque as datas são próximas, e isso é bem estafante. Nós estamos aqui, na Inglaterra, partiremos para a Espanha e daqui a turnê vai para o Japão, onde vamos trabalhar pra caramba. Tem muita coisa marcada, e aí vai ter um dia livre e voltaremos para os Estados Unidos... Mas é ótimo. Tem que ter uma grande organização, uma equipe boa, comer bem.

Vocês conseguem vivenciar, aproveitar os lugares para onde vão?
Tentamos. A primeira tour foi tipo férias, a gente tava tipo louco, ia em todas as festas, Êêêê, e depois a gente foi ficando muito cansado. Aí aprendemos a priorizar o show e a energia para o esse show. Quando dá, aproveitamos. Rolou um show na Turquia no ano passado e pedimos pra ficar mais. Aí deu tempo de passear, conhecer Istambul. Mas, por exemplo, fomos à Grécia e foi muito frustrante. A única coisa que vimos na Grécia foi o aeroporto. Saímos do aeroporto, fomos para o hotel, aí o show e, do show, de volta para o aeroporto. É frustrante, eu não posso falar pra você que conheço a Grécia. Mas o foco é o show, toda vez que não conseguimos fazer um bom show, por estarmos cansados de outras coisas, nos sentimos muito mal.

E, olhando retrospectivamente esses dois anos de coisas intensas acontecendo, qual que foi o exato preço de assumir esse trajeto, assumir o sucesso da banda e cair nessa vida? Do que vocês tiveram que realmente abrir mão?
Abrir mão da privacidade, do próprio tempo. Tem gente que realmente não se importa de ficar viajando um ano, não ir para casa... Ir para a sua casa, que não é hotel, que é a coisa mais impessoal que existe, principalmente se for de rede, ou a casa de alguém. Abre-se mão disso, de algumas coisas em troca de outras.

Isso é da vida e ninguém percebe que tem um preço... Viajar muito de avião, inclusive, que é uma coisa que eu aposto que faz mal, o corpo fica muito zoado, desregulado. E é um stress de visto, de segurança, e aeroporto é um lugar muito hostil. Ninguém confia em ninguém. Mas é totalmente compensado por outras coisas. A gente adora tocar, se bem que não é uma coisa que vai dar pra ficar fazendo para sempre, até o fim da vida.

E o ônus real disso, acaba doendo o pouco contato com os amigos, com a família. O ônus para os relacionamentos em geral é muito grande?
Sim, claro. No começo da tour eu tive uma crise. Por um lado é bom porque eu tenho amigos no mundo inteiro, e tenho a oportunidade de visitá-los sempre. Quando eu poderia ir para o Japão, onde tenho amigos que gosto muito, duas vezes por ano? O que eu aprendi dessa questão é que tem que viver o agora, o momento em que você está. Porque você vai embora... No começo eu fiquei em crise. Às vezes eu via minha irmã e já chorava, porque eu sabia que iria embora. Estar perto e estar longe também não é uma questão só de distância. De onde você é, São Paulo, certo?

Sim.
Então, é uma cidade em que as pessoas sofrem muito, ficam muito estressadas e aí precisam beber... Tenho certeza que você tem muitos grandes amigos que você fica um tempão sem ver, pela dinâmica da cidade, os dois devem trabalhar feito loucos e tal. O maior aprendizado para mim é que tempo é uma coisa completamente abstrata. Aqui são 3 e meia, aí são 11 e pouco e você não tá no passado, e eu no futuro...

Como é acordar e ser uma rockstar internacional, coisa que nenhum brasileiro havia experimentado antes?
(risos) Teve o Sepultura (risos). É muito engraçada essa pergunta. Mas talvez ela para a Lovefoxxx, em relação à Inglaterra, faça mais sentido. Porque ela é realmente uma celebridade por aqui, da música. Mas realmente não é o caso da banda. De qualquer forma, é muito engraçado, pois a gente nunca acordou e falou, ou sentiu, "nossa, sou uma celebridade"! Não é uma coisa que a gente tá andando na rua e vem alguém e pede para tirar foto... Às vezes acontece algo assim, mas é sempre um fã de música mesmo, e nunca uma coisa invasiva. Fora isso, temos uma vida completamente normal, não gostamos muito de sair hoje em dia.

Quando vivemos essas raras situações, essas de rockstar, achamos muito engraçado e não levamos tão a sério. Teve por exemplo um dia em que fizemos um show em uma TV, para um empresa de celular, e tinha que sair do prédio, entrar em uma limosine, dar a volta no quarteirão e entrar pela frente, no "red carpet". E demos muita risada, pois é uma situação completamente mentirosa, é um circo. Não dá para levar a sério.

Você sente um conforto maior quando dá uma entrevista para um brasileiro?
(risos) Não! Tem bons e maus jornalistas no mundo inteiro, que vão fazer você se sentir bem ou o contrário. A mídia inglesa mesmo às vezes é muito inteligente, outras vezes é muito ruim. Muito sensacionalista. Às vezes eles já escrevem o artigo e só querem as áspas para encaixar, e ficam com raiva se você fala muito, pois vai dificultar algo que já está pronto. Sinceramente não sei quantos jornalistas se importam com o que a gente de fato pensa... Mas, sei lá, no Brasil me parece ocorrer em relação à gente um jornalismo muito respeitoso. Já rolou alguns que se ressentiram com o fato de termos uma carreira internacional (risos), mas... Há bons e ruins em todos os lugares.

O Donkey tem punch rock, mas também é mais cuidadoso em termos de produção, chegando a ser, nesse sentido, um disco mais polidamente pop que o anterior.
A nossa música é a nossa versão de pop. A gente faz música achando que estamos fazendo pop, mas é óbvio que somos do rock. A preocupação de sonoridade desse disco é refletir o que a somos ao vivo. No primeiro disco, nós nem sabíamos que tocaríamos ao vivo, então grande parte dele foi feita no computador, tendo portanto um som mais eletrônico.

No Donkey, quisemos fazer o som que as pessoas encontrariam ao vivo. Tivemos a oportunidade de fazer num estúdio incrível, e por isso aproveitar pra fazer algo mais polido. O primeiro gravei inteiro com uma guitarra e um amplificador, e registrei tudo em um dia de gravação. No Donkey, usei um leque bem maior de opções, e a mixagem contribuiu muito para esse acabamento pop também: os graves são bem graves, os agudos bem agudos.